segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Aula de Desenho e a cidade

Quando se fala em ensino de desenho, pensa se logo em sala de aula, ambiente adequado, confortável, algo como uma atividade relaxada, que se faz quando se tem vontade, mas é preciso saber é que tudo depende de investimento, inclusive da vontade, senão o desenho não acontece. Estudar desenho e ouso dizer qualquer matéria não se completa se não vai à rua, à cidade, ao trânsito para sentir o urbano com toda sua problemática e também com toda sua riqueza de imagens. Porque o desenho tem muitos lados se, de um lado ele é íntimo, do outro é público, vale dizer, o trabalho retorna à cidade.

Sair da segurança da sala de aula para desenhar na rua, no confronto com transeuntes, faz parte do aprendizado do desenho que tento ministrar na UFES, seja para alunos calouros, seja para veteranos. Além disso, acrescento outro dado: desenhar e escrever, desenhar e perceber os próprios pensamentos, descrever elementos dos processos, do devaneio criativo; não com um propósito intelectual, mas algo da ordem da poesia, da livre associação e da percepção. Ver, sentir o lugar onde se está perceber todo o momento presente, desde a própria respiração, à temperatura ambiente, os odores, a sonoridade, a tensão da cidade.

Com este pensamento combinei com duas turmas irmos desenhar no centro da cidade, 8:00h. da manhã, em frente ao teatro Carlos Gomes, Praça Costa Pereira. A minha intenção inicial era que cada um fizesse um desenho e um texto descrevendo uma situação vivenciada ali, que cada uma estabelecesse um contato com o local. Mas estava nublado, formando chuva, então dei outra orientação: andarem pela cidade e fazerem entre dois a sete desenhos, conforme a habilidade, e percepção e interesse de cada um. Levei também meu bloco de desenho com intenção de desenhar. Mas ao invés disso, com alguns alunos segui à caça de um templo japonês que disseram haver ali perto. Andamos, subimos ladeiras para descobrir que não se tratava de um templo, mas de uma casa antiga, com traços de um castelo (inclusive é chamada assim), pertencente a uma família de libaneses, a qual é dona da rede de supermercados São José, do centro de convenções e mais não sabe quantas propriedades no município. Diferente da vista de baixo da avenida de onde se via uma torre, da rua de cima, aonde chegamos, a casa praticamente desaparecia atrás de um muro alto. Conseguimos convencer o caseiro a nos deixar entrar, e lá dentro assistimos um espetáculo de ruína: paredes com inúmeras camadas de tintas se descascando, portas e janelas estouradas, fiação emaranhada, parecendo trepadeira, teto desabando - tanto que não nos foi permitido entrar nas salas e quartos - solo esburacado, etc. Um quadro impiedoso da ação do tempo e do abandono. Perguntou-se porque o dono não cuidava daquela casa. O porteiro repetiu a frase do patrão: “pra que investir numa coisa que não dar retorno?” Resmungo geral de indignação. Alguns deram ideia de se fazer ali, um restaurante de luxo, outro de um espaço cultural, eu pensei numa livraria ou num atelier.

Depois continuamos a caminhada morro acima. Escadas e escadas e lá em cima uma bela vista da cidade: a Bahia de Vitória lá embaixo, navios sendo carregados e prédios enormes com suas janelas retangulares parecendo telas de televisão, algumas delas deixando ver o movimento dos moradores. Um dado momento descobri um homem debruçado em uma janela. Que estaria ele fazendo ali? Pensei que estivesse se suicidando. Sorrimos dessa ideia absurda, no entanto possível. Mas porque me veio aquele pensamento ali? Lembrei-me que no dia anterior, conversando com um amigo ele me disse já ter visto dois suicídios quando estudava no Rio. Fiquei com isso na cabeça e também me lembrei que em um país europeu, acho que Suíça, eles têm uma clinica onde podem se suicidar. Isso mesmo, os que querem por fim à vida, vão lá preenchem os protocolos, declaram que querem morrer, acertam todas as coisas necessárias e morrem lá... sem criar transtornos, acidentes, etc. Para quem quiser saber mais, creio que o nome da clinica é Dignitas. Nesta altura da conversa, descobrimos que o sujeito insistentemente inclinado na janela, estava colocando uma antena parabólica na parede (detalhe, foto embaixo).
Continuamos nossa caminhada, alguns se sentaram para desenhar no mirante, outros subiram ainda mais o morro. Conversamos com moradores, chupamos picolé e desenhamos, desenhamos mais com os olhos, do que com lápis, no final o tempo ficou curto.