QUARTA,
QUASE QUINTA.COR. Acompanho a impressão de um livro em uma gráfica.
Primeiro dia, cerca de dez horas de vai e vem. Entrefalas dos
funcionários, barulhos de máquinas e o cheiro de tinta, que poderia ser
insuportável, mas não é, vejo recipientes de tintas oleosas e cremosas
manipuladas por dois pequenos “dedos” de aço e chupadas por um
cilindro pesado que, roda, melado e uniformemente, em toda sua
extensão, esticando para frente aquele fio de cor, translúcido e
vibrante. Dalisai, sob medida, a camada exata de tinta que, somada às
outras resultará nas imagens do livro. São quatro pequenos tanques de
tinta, cheios como piscinas. Por um instante, meus olhos sobrenadam
esses corpos moles, pastosos com suas cores sedosas. Quatro cores:
preto, magenta, ciano e amarelo. Nessa ordem. Uma ordem rígida e
precisa, para esses corpos moles, imprecisos. Olho o magenta puro, cor,
para mim difícil de lidar em seu estado puro, principalmente pela sua
exuberância e sedução, muito próxima do roxo, do lilás e do violeta.
Vem-me à mente alguns artistas que a trabalham bem, o fotógrafo Mário
Cravo Neto, os pintores, Bonnard, Sued, Gonçalo Ivo, Volpi, outros nomes
vão surgindo, mas paro por aí para não fazer uma litania; por último, a
lembrança de uma florzinha de beira de calçada que costumava ver em
minha infância chamada “onze horas”. Depois vieram algumas orquídeas de
tons violetas, mas essa cor sempre se colocou para mim, mais como algo
para ver do que para se “usar”. Assim, por um momento, sou levado por
esse magenta que se desdobra e toma a forma que os “dedos” de aço, o
rolo, a chapa de alumínio, o arquivo gravado, o papel branco, as outras
cores lhe dão, para, enfim surgir como imagem, no livro, a qual,
nomeamos pintura, desenho, fotografia, enfim, uma imagem que chamamos de
nossa. O termo levado aqui tem algo de “encantado”, algo de suspensão
do momento, de suspensão de todos os perigos, de todos os “porquês” para
ver a cor em sua qualidade própria. Ver seucorpo, seu brilho, seu
movimento, sua flexibilidade, sua beleza esquecendo me de sua semântica,
de todas as teorias. A cor como assunto da pintura. E uma frase do
mestre Amilcar de Castro “eu não sou pintor, sou desenhista e escultor.
Pintor é o Bonnard, o Guignard, o Matisse... estes sim, são pintores!
Eles têm a cor como fundamento! O pintor pensa por dentro, o desenhista
pensa por fora. Por isso sempre digo que não sou pintor, sou
desenhista!”
Para finalizar este post, que já ficou longo, volto ao
início: o barulho das máquinas, asfalas dos funcionários, o cheiro de
tinta e dizer que, o cheiro de tinta aqui está controlado, não é como em
um atelier de pintura (quando se pinta à óleo), onde o cheiro da tinta
óleo que invade o ambiente como fumaça de um charuto, um cheiro que
sentimos inclusive quando a tela já está em exposição na galeria. Não, o
cheiro da tinta aqui passa despercebidoface ao cheiro do verniz,
seguido da presença do pó de impressão, aplicado para dar acabamento.
Este faz arder os nossos olhos, penetra as nossas narinas e se aloja no
pulmão. Como as pessoas aguentam isso aqui? Piscinas de tinta que vem de
muito longe! Leio a marca Heidelberg (o castelo! Der Scholoss), montes
de papéis! Tenho que apurar as vistas para ver uma imagem, outra e outra
em intervalos de minutos e horas. Sintoa garganta ressecada. Vou dormir
com interrogações, ardor na garganta e luz nos olhos. Procuro alguns
trabalhos onde a tónica é a cor e trago estes que seguem : espero que
curtam essa pequena viagem:
1 - O Livro da dor. sangue, sangue sobre papel.15x40cm. data: 2000
2 - A Bibilbioteca do pintor, crilica sobre livro da literatura universal. Instalação, data:2009
3 - Aparelho, pigmento, caixa de madeira e vidro,40x50cm. 2003