Revejo uma pintura antiga e relembro.Em 2000 estava em Paris, tinha um pequeno atelier na Cité Universitaire - residence Robert Garric - e uma ansiedade para pintar. Um dia achei uma velha cortina no corredor, amarelada pelo tempo e pelo uso, completamente abandonada. Olhei as manchas e marcas no seu corpo e pensei em aproveitá-la como suporte para uma pintura. Foi fácil rasgá-la e tirar um pedaço de cerca de 90x100cm. pois o tecido estava bastante deteriorado e fraco. Mas quanto mais eu observava aquele tecido, mais ele me falava de uma existência desconhecida, mas que eu podia imaginar.
Ouvi-o com atenção e contei-lhe parte de minha vida e os sentimentos que envolviam ali, naquela cidade, naquele atelier, naquele momento. Fui tateando com os dedos a textura de sua pele, ranhuras, puídos, cicatrizes e sobretudo as manchas, desenhos leves que os dedos não podiam detectar. Tudo isso conteve minha mão. Considerei que que havia ali um belo material para ser visto, então desenhei apenas duas manchas como molduras de um lado e do outro da tela, risquei com carvão a forma estrutural de uma casa e escrevi embaixo: "todos os tecidos apodrecerão". Foi uma das poucas telas que trouxe para casa. Hoje, quase quinze anos passados ela continua sua missão de falar ao meu coração. Boa noite a todos, bom final de semana.
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