QUARTA FEIRA. PAISAGEM SONORA. Chove levemente. É de madrugada. Poucos
sons habitam esta hora da manhã. Escuto gotas d´água batendo sobre o
toldo e batente da janela. Foi assim que descobri a chuva desta manha.
Chuva discreta, chuva para dormi. Mas entre esses pontos de água, escuto
alguns cantos de pássaros cruzando o espaço, espaço ainda negro na
fímbria das horas. São bem-te-vis, coleiros, rolinhas e galos (da
madrugada), será que estou certo? Abro a janela e deixo esses sons
sobrenadarem aos meus ouvidos. Eles não se misturam, pelo contrário,
habitam o espaço tridimensionalmente, alguns muito próximos, outros
longe, alguns à esquerda, outros à direita, outros ao centro. Diria que
se tivesse uma mão borracha poderia tocá-los. Mais distante, escuto sons
de carros, silvos, chilreios e conjunto de canto de pássaros que não
sei identificar. São pontos, linhas, manchas, texturas sonoras que se
desenham como uma paisagem. Há algum tempo venho instituíndo em meus
cursos e oficinas de arte este exercício de escuta como exercício de
desenho. A proposta é mais ou menos assim: “Feche os olhos e veja. Feche
os olhos e desenhe. Quando você fica quieto qualquer ruído é
informação. Assim, de olhos fechados, desenhe os ruídos diversos que
ouvir. Perceba pontos, linhas, planos, manchas, texturas, cores, espaços
e risque. Procure não fazer linhas iguais, mas cada uma com uma pressão
da mão, cada uma em um lugar conforme os estímulos sonoros recebidos.
Conscientemente estabeleça diferentes traços, fortes, fracos, pesados,
leves, lentos, rápidos etc. E vamos criar assim uma espécie de paisagem
sonora. Chamaremos este exercício de percepção sonora gráfica visual ou,
simplesmente “paisagem sonora” (texto de sala de aula, Vitória –
30/11/12). Exercícios como este me fizeram interessar por esse tema
antigo e sempre presente na arte: a paisagem e acreditar que podemos
reiventá-la, o pequeno livro “A Invenção da Paisagem” traz meus
primeiros passos rumo a esta aventura.
"Uma viagem desenhada" livro de artista, grafite sobre papel, 30x50cm. 80 paginas, 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário