PAISAGEM DA INFÂNCIA. Aqui estou com mais um texto longo demais para
face book, mas se você tem paciência e tempo vamos olhar esta paisagem
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ÁGUA FRIA, cidade da minha infância, fim de mundo ou começo de mundo. Primeiras horas da manha. Acordo cedo, subo do morro Laranjeiras para desenhar esta paisagem que vivi, há cerca de 40 anos atrás. Aqui estou, mas ou invés de começar desenhar, começo escrevendo. Parece que a neblina rala da manha está cheia de palavras, de lembranças. A paisagem de agora está totalmente diferente da ontem quando vim aqui e decidi que viria hoje com meu bloco de desenho, no entanto, é a mesma paisagem, a paisagem da minha infância, da minha juventude; a mesma paisagem de 40 anos atrás e, talvez a mesma paisagem de séculos atrás. Alguma coisa não mudou por aqui. Eu acho que sabia que ía encontrar essa paisagem, por isso vim vê-la e, no entanto, é toda nova para mim. É uma paisagem comum, mas ao mesmo tempo é grande, e me ultrapassa. Por um instante me sinto crescer com ela.
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ÁGUA FRIA, cidade da minha infância, fim de mundo ou começo de mundo. Primeiras horas da manha. Acordo cedo, subo do morro Laranjeiras para desenhar esta paisagem que vivi, há cerca de 40 anos atrás. Aqui estou, mas ou invés de começar desenhar, começo escrevendo. Parece que a neblina rala da manha está cheia de palavras, de lembranças. A paisagem de agora está totalmente diferente da ontem quando vim aqui e decidi que viria hoje com meu bloco de desenho, no entanto, é a mesma paisagem, a paisagem da minha infância, da minha juventude; a mesma paisagem de 40 anos atrás e, talvez a mesma paisagem de séculos atrás. Alguma coisa não mudou por aqui. Eu acho que sabia que ía encontrar essa paisagem, por isso vim vê-la e, no entanto, é toda nova para mim. É uma paisagem comum, mas ao mesmo tempo é grande, e me ultrapassa. Por um instante me sinto crescer com ela.
A neblina enche o vale, criando uma
cortina de névoa que se dissipa lentamente, tão lentamente que parece
que levaria o dia inteiro nessa faina, mas não é verdade, a neblina
muda rápido, vai criando forma e imagens que nos enlouquece quando
estamos desenhando. Podemos observar isso, principalmente nas primeiras
horas da manhã e nas últimas da tarde; as formas vão aparecendo vão
surgindo, magicamente como no branco do papel fotográfico, no processo
de revelação analógica. Mesmo conhecendo esta paisagem, ela me vem como
uma aparição. Há qualquer coisa de mágico na forma como isso acontece. É
como algo que se passa tranquilamente diante dos nossos olhos, mas não
sabemos porque ou como e, em última instancia esse saber não
interessa, o que importa é gozar este momento, é estar nele.
Volto os olhos para a ladeira, lá embaixo brilha o rio Alcobaça ,
cercado de sombras. Aos poucos a vista identifica, bois e cavalos
pastando. A principio são apenas pontos negros, cinzas e marrons no meio
do verde imenso, ondulado e infinito. Digo o verde, mas são vários
verdes: verde musgo, verde bandeira, verde esmeralda, verde veronese,
verde claro, verde escuro, verde ferrugem, verde brilhante, verde
holandês, verde brasileiro e outros que a língua não sabe nomear, mesmo
porque eles são cambiantes, passageiros, vão se fazendo e se desfazendo à
medida que a névoa passa, brincando diante do sol.
Ao longe o
horizonte desenha uma linha indefinida. É o horizonte. Uma névoa verde
cinza transparente deixa ver parte do céu e parte das montanhas, quase
em um mesmo plano; a própria névoa também se confunde com céu e
montanhas. Dir-se-ia que o céu está antes e depois das montanhas, em
finas camadas de neblina, chegando até aqui, onde estou sentado. Se
alguém, observasse a paisagem de lá, diria que o lado de cá é o
horizonte e que eu estou entre camadas de névoa, e que aqui o céu aqui
se encontra com as montanhas, e que eu seria apenas um ponto
na neblina.
na neblina.
Com a câmara na mão, fotografo uma, duas, cinco, dez vezes esta
paisagem, em seguida passo a desenhá-la em meu caderno de desenho de
viagem. Sei que essa visão não cabe em nenhuma fotografia, nem em nenhum
desenho. Esses meios são possibilidades de aproximações desta
experiência de ver, os quais criam outras experiências, utilizo-os
sabendo que construo imagens e que as mesmas são também experiências de
uma outra ordem. Ao fazê-las meu olhar e meu interesse se deslocam da
paisagem vista para a paisagem construída. No final tanto o desenho
quanto a fotografia são imagens alheias ao que eu vejo.
Desenho
linhas incertas, leves construo uma imagem tão próxima quanto possível
da paisagem visível, mas também distante, a ponto de não se
reconhecê-la. Assim, devido a natureza de seus procedimentos o desenhar
difere também do fotografar e, entre essas diferenças incluo uma que
quase nunca é percebida ou considerada com a devida importância: o estar
no lugar por um determinado curso de tempo. Contrariando a rapidez e o
olhar alheio da fotografia, o desenho (de observação) é, sobretudo , a
experiência de se estar, obrigatoriamente por mais tempo e de observar
um lugar, desenhando, por horas a fio.
Enquanto desenho, saboreio
a linha surgindo do movimento do lápis sobre o papel. Às vezes não
penso em nada, mas na maior parte do tempo pensamentos diversos pululam
em minha mente, simplesmente porque pensar é inevitável. Mal ficamos em
silêncio, pensamentos começam a se manifestar quase como uma energia
autônoma, embora acreditemos saber o que pensamos, sensações,
lembranças, maquinações sobre o que fizemos ou deixamos de fazer ou
temos de fazer, surgem em fluxo e constroem paisagem oníricas que os
surrealistas souberam aproveitar. Chamo essa duas vias desenhar e
atentar para o fluxo de pensamentos de desenho associativo e, tenho
motivos para acreditar que o ato de desenhar (de estar em um lugar
desenhando) é uma das maneiras mais dinâmicas de trazer pensamentos à
nossa mente e de nos fazer perceber como eles são alheios ou diversos ao
que estamos fazendo ou do lugar em que estamos; por isso se o fazemos
com consciência e até mesmo com este propósito, o desenho é uma forma
de sanidade, de existência, de meditação. O resultado não são apenas
as formas, o registro, o desenho, mas o sobretudo o tempo vivido,
experienciado, uma espécie de encontro, ou acesso a certo lugares, aos
quais só podemos chegar aleatoriamente.
Assim vou desenhando. De
repente vejo um homem que desce o rio remando uma canoa. Ele para aqui e
acolá entre os arbustos que margeiam o rio. Será um pescador? Um
lavrador? Que horas ele voltará para casa? Somos dois desconhecidos,
dois pontos em meio a muitos outros nesta paisagem. Ele se move no
espelho d´agua do rio, executando uma ação tão importante quanto a
minha, a de observar tudo isso daqui de cima. Que está ele fazendo lá
embaixo? Não há resposta e talvez esta pergunta não faça sentido,
contudo fazê-la é a maneira que tenho de prestar atenção. Ele percorre
as margens do rio, e eu vou com ele. Vou revendo e me lembrando dos
pontos que estive em minha infância, sozinho e com amigos a executar as
mais diversas ações infantis: horas de prazer, medo, alegria e ansiedade
à flor da pele: corridas, caças a passarinhos com estilingue,
caminhadas, traquinagens, banho pelados no rio, brincadeiras sexuais que
fariam ruborizar os politicamente corretos.... Onde está aquela
energia? Onde estarão aqueles amigos? Sigo desenhando, margeando o rio.
Penso, que quando terminar este desenho, o canoeiro, terá talvez
desaparecido em meio as sombras e à distância. De qualquer forma este
desenho também ficará interrompido em algum ponto. Nesse instante,
Procuro o homem e sua canoa e não os vejo mais. O sol brilha no céu, a
névoa de há pouco, parece que não existiu. O desenho fica inacabado,
acho que ele nunca estará terminado.
Aos que me acompanharam até aqui, o meu abraço, desculpe os erros, tentei revisar, mas certamente fiz outros, sou mesmo incorrigível.
Aos que me acompanharam até aqui, o meu abraço, desculpe os erros, tentei revisar, mas certamente fiz outros, sou mesmo incorrigível.
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