Aqui estou eu com mais um texto
longo para Facebook, por isso digo não perca seu tempo, mas se você o tem o
sobrando vamos lá. Madrugada. Um cachorro uiva, grilos chilreiam, um galo canta
rouco e, se me atento um pouco mais escuto as águas da cachoeira do rio que
corta a cidade. O que quero escutar?
Faço uma fotografia da casa dos
meus pais (agora da minha mãe) envolvida de sombras. Paredes azuis, piso e
portas vermelhas. Nesta casa vivi minha infância e boa parte da minha juventude
e, sempre que aqui venho fotografo esses espaços e suas sombras. Esta casa Com suas
cores, com suas luzes que entram pelas janelas e pelas frestas e, com tempo com
que a observo, sempre me dá boas fotos.
Minha mãe anda por esta casa como
uma sombra. Certa vez, por volta do ano de 1985, minha então namorada me
comentou: você sempre fala do seu pai, mas nunca de sua mãe... Essa observação
me surpreendeu e me acompanhou pelo tempo, hoje eu me pergunto o que tenho a
falar da minha mãe?
Em várias visitas que fiz a esta
casa tentei falar com minha mãe, fazer com ela me contasse sua história, mas
ela não se sentava à mesa para conversar, parece que não tinha o que falar ou
não sabia falar. Contava fragmentos, da juventude, do pai, da vida devotada ao
trabalho, nunca falava da mãe. Uma vez me falou sobre uma festa que foi e dançou
muito, outra vez, do tempo em que estudou, e de uma viagem que fez a pé ou a
cavalo à cidade da comarca, pois vivia na roça. Quando conheceu meu pai, estava
noiva de outro homem e tinha apenas 19 anos, ele, 35 anos. O nome dela Abigail,
o dele Euclides, o meu Fernando (de onde vieram nossos nomes?). Ela uma jovem
branca, talvez a mais bonita da redondeza, ele, um homem negro, tropeiro e
boiadeiro, talhado pelo sol que passava 15 dias ou mais no lombo de um cavalo
conduzindo animais. De escola, eles não tiveram mais do que seis meses,
aprenderam a ler-escrever, assinar o nome e a fazer as quatro operações (somar,
diminuir, multiplicar e dividir). De namoro, menos tempo ainda. Namoro sem
andar de mãos dadas, sem se sentar juntos na mesma sala. Vasculhando as gavetas
velhas da casa, encontrei cartas dele a ela nesse período e as fotografias do
casamento. Levei essas fotos comigo, mas até hoje não me sentei para escrever
esta história ou a história daquelas imagens.
Certa vez, não conseguindo fazer
minha mãe avançar na história dela pedi a meu pai que contasse o que ele sabia
da história dela. Ele soltou que a Minha vó tinha tido caso com outro homem,
durante o tempo de doença e morte do meu avô materno. Minha mãe gritou da
cozinha, "mentira, deixa de ser mentiroso e fofoqueiro..." esse era
um dos momentos em que meu pai ria e balançava a cabeça. Parece que a história
da minha mãe não era para ser contada, não que não houvesse fatos, mas porque
não havia quem contasse. Como escreve Sartre, a história de qualquer um pode
ser literatura, desde que alguém a escreva.
Este mês ela completou 70 anos.
Fala de doença, de dores e reclama de tudo, do passado, da vida que teve e da
vida que tem. Tem medo da morte, mas se preparou para ela, mandou fazer um
cordão de São Francisco, uma mortalha azul e um travesseiro, feito com tufos
dos próprios cabelos, objetos com os quais ela quer ser enterrada. Por causa da
sua surdez, ela escuta TV no último volume. A Casa vive então em barulho
contínuo, o que escutar? Em um dos momentos em que passo pela sala, escuto o
padre do programa "Divino pai eterno" que ela escuta falar: "
reze pelo seu padre, ajude o padre da sua igreja... E se você não sabe falar
bem do seu padre, cale a sua boca! Fecha a sua boca!" Eu fico estupefato.
Olho para minha mãe e me pergunto, o que estará ela escutando?
Aos que me acompanharam até aqui,
meu obrigado, desculpe os erros, deixo um Fotografia da casa.
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