sexta-feira, 27 de março de 2015

O DESAPARECIMENTO É INDESTRUTIVEL



Aqui estou eu, com mais um texto longo para FB, mas se vocês tiverem tempo, vamos lá, porém só se tiverem tempo, esse texto pode te tomar de 15 a vinte minutos ou mais e aí? Não serei culpado da sua perda de tempo.

Ontem completou um mês da minha residência artística no Vermont Studio Center. À esta hora eu estava à caminho de Boston, deixando para trás e, ao mesmo tempo, trazendo na bagagem uma das experiências criativas mais ricas da minha vida. Já tinha passado pela cidade de Jericho, onde descobri o fotógrafo Bentley, dos snow flakes, do qual falei em dos post aqui, tinha esperado no aeroporto pelo ônibus que me levaria definitivamente do estado Vermont e feito divertidamente, um rápido alongamento na sala de espera, com alguns colegas que estavam esperando seus ônibus ou avião (lá a rodoviário e o aeroporto é no mesmo lugar), estava chegando em Boston... e definitivamente começado o meu movimento de volta ao Brasil.

Hoje, como há trinta dias atrás, exatamente no dia 27 de fevereiro, certamente foi um dia de despedida para 50 e tantos residentes que trabalharam o mês de março no VSC. Uma despedida alegre e triste, com um sentimento ao mesmo de pertencimento e de estrangeiro. Eu me lembro de ter pensado, um tanto ingenuamente, será que a próxima leva de residente vai ser tão legal como esta? Hoje não tenho dúvidas que foi e, digo porque, porque tudo ali colabora, no sentido positivo para que se estabeleça relações e o tempo seja produtivo.

Hoje, olho pela janela do meu atelier (em Vitória) e não vejo a neve, a companheira fria e calorosa de todos aqueles momentos. Meu Deus como ele é branca! Disse, certa feita, Mario de Andrade, eu disse muitas vezes meus Deus como ela é linda, daí é que a chamo de fria e calorosa. Eu sentia o frio invernal, mas também sentia a empatia das pessoas a quem estava conectado, tanto as de perto quanto as de longe. Daí que descambei a escrever o diário de bordo postado no face.

Quando cheguei aqui a primeira coisa que me perguntei foi continuarei a escrever como escrevia lá? Confesso que gostaria, mais uma nova realidade se impõe e suas categoria mais forte são: o tempo e o lugar. Aqui é outro tempo e outro lugar, o simples fato de estar aqui me leva a falar, pensar outras palavras que não as de lá. Se lá eu falava quase todos os dias da neve, aqui tenho o sol, se lá eu falava de passeio na neve (snowshoe), aqui falo de caminhadas na praia, de passeio de bicicleta, se lá eu falava da dificuldade com a língua estrangeira, aqui eu fala da minha língua e no fato de ser estrangeiro nela, se lá eu falava do ritmo diário de trabalho no atelier, aqui tenho aulas a dar e a receber e outras obrigações... se fosse listar, faria uma litania. Mas uma coisa permanece, a atitude, a atitude de falar do dia a dia e de construir, à partir das ações e dos acontecimentos diários, reflexões, comentários, textos e porque não dizer, desenhos, pinturas, imagens.

Recebo, por e-mail, a fotografia enviada por Jon Gregg, fundador do VSC, que fizemos de todos os participantes, no penúltimo dia de residência. Dois já tinham partido, por isso alguns participantes mostram as fotos deles. A luz estava chapada e eu pensei que não conseguiríamos fazer uma boa foto, propus que fôssemos para casa branca (a da foto) ao invés da casa vermelha, por causa da luz e deu certo. Ali estão todos. Reconheço-os mas já não tenho mais seus nomes, faço um esforço e lembro-me apenas de alguns. Fica me a sensação que quero guardar mais do que posso, ter mais do que posso, poder mais do que posso. Como gostaria, de mais uma vez, abraçar essas pessoas que, aos poucos vou perdendo, esta residência que aos poucos vou perdendo, esses lembranças que aos poucos vão desaparecendo... e penso que o desaparecimento é indestrutível.

A tarde é quase triste. Olho pela janela do meu atelier e vejo a tarde anunciar a noite. Faz muito calor. Ventilador ligado, barulho de carros lá fora. Abro um pacote de telas e desenhos e me encontro nesses retângulos. Retângulo, espaço geométrico que estabelece limites definidos, tanto de desenhos, pintura ou fotografias, como também da minha potência como artista, como homem. Retângulo, limite, mas também possibilidade de aprendizagem e de criação. Acredito nisso e aposto nesta via. Esta é a tarefa que me ensinou o mestre Amilcar de Castro: “ser livre dentro do retângulo!”

Aos que insistiram em me acompanhar até aqui, deixo o meu abraço e agradecimento pela companhia, desculpem também os erros, sempre tento me corrigir, mas sempre me acontece de cometer outros erros, são tantos os acentos, vírgulas, coordenadas que acertar tudo em uma conversa como esta seria quase um erro. Um abraço, vamos nos falando por aqui!


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