Um novo texto, um pouco loco para o face, se você tiver paciência, vamos lá. Chegará uma hora talvez em que acostumarei com a neve e com ar frio que bate meu rosto quando abro a porta, mas enquanto isso não acontece, deixe me falar dessa novidade, dessa surpresa que é estar na neve. Dentro de casa podemos andar de camiseta e trabalhamos normalmente. Travamos discussões, assistimos televisão e nos divertimos com o futebol americano. O "basement" é o lugar onde, como o diretor disse pode se fazer o barulho que quiser que não ira perturbar ninguém, mas parece que todos competem para fazer mais silencio. Lá seria o lugar da festa, da bebida, da musica, mas se parece ao final, com uma biblioteca. Tem televisão, mas raramente ē ligada, tem muitos bons livros nas estantes e uma maquina de xerox a cores que podemos tirar cópia à vontade (isso me leva a fazer um trabalho com xerox e fotografia sobre o qual falarei depois). Aos poucos cada um vai para o seu atelier ou alojamento e ninguém faz mais silencio que a noite. Amanheceu nevando. Um cenário raro para mim. Por isso gasto tempo olhando. Uma solidão serena habita as ruas, parece que tudo dorme quentinho.
Das chaminés sobem vapores de ar quente, parecendo fumaça. De repente passa um ônibus escolar amarelo com crianças, mais tarde uma mulher passa devagar, levando um cachorro, depois um carro, depois dos artista residentes... Lembrou me um poema de Carlos Drummond: cidadezinha do interior: devagar as casas se olham, êta vida besta meu Deus! Olho esta paisagem branca como olhei a paisagem verde da Amazônia, como olhei um pedaço do deserto Saara no Marrocos, uma olhar de estrangeiro, mas com algo de pertencimento como escreve Fernando pessoa: "trago um novo universo, porque trago o universo ele próprio".
Estou sabendo que nevou, vi nevando, mas quando abro a porta.... a surpresa, a neve, o frio. Sei que está frio la fora, mas não sei de verdade, ate que ele toque meu rosto como se tivesse mão, uma mão suave, gelada, gostosa, intensa. Respiro o sopro da neve como um beijo e deixo a molhar o meu rosto, só aí termino de colocar luvas, casacos, gorro. Mas fica o rosto, o único lugar que ela toca enquanto caminho outside. Respiro com prazer esse frio, um prazer dobrado pela necessidade, pois o ar seco do aquecimento dentro de casa resseca minhas narinas até sangrar, então quando o ar frio chega é como um bálsamo, sinto a verdadeira delicia de respirá-lo, parece alumbramento dizê-lo e porque não? sinto sua textura e liquidez penetrando meu corpo como um fio de ar, centímetro a dentro pelo meu nariz até ele desaparecer e aparecer em meu cérebro como pensamento, com essas palavras. Acho que posso dizer isso, que, o que você esta lendo aí é o ar que respirei aqui.
Será que vai nevar ainda este mês por aqui? Será que ate o final do mês terei essa relação idílica com a neve? Não sei, ela tolhe os meus movimentos, me força ficar quase o tempo todo dentro de casa, mas para quem veio para cá trabalhar isso é bom. Ontem comecei desenho de modelo vivo, era um exercício mais para aquecer as mãos e pensar algumas formas, mas enveredei a manha inteira neste exercício e passei o resto tempo encantado com isso. Já disse e escrevi muitas vezes que desenhar alguém é passar um tempo com esse alguém através do desenho. Um tempo vivido em silencio, olhando o outro o mais perto possível.. Trata-se de uma performance que se tornou tradição, mas que nunca deixou de revelar novas formas e estabelecer novas parcerias. Foi assim que comecei a conhecer, desenhar Steve sheever, um dos modelos aqui da residência. Trago alguns desenhos desta sessão, amanha falamos mais sobre isso. Um grande abraço todos e obrigado pela leitura generosa que alguns tem dedicado a este textos de pouca serventia.
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