sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

INADEQUADO EM QUASE TODOS OS LUGARES



Aqui estou eu com mais um texto longo demais para Facebook, mas aos que tiverem paciência e interesse, vamos lá. Estou digitando no iPad como se escreve à mão, errando, rabiscando, esquecendo palavras, trocando letras, conjugações, acento nem se fala! O, torto, o errado, o inacabado, desajeitado, feito à mão e com coração aqui tem lugar, como diz o poeta Manoel de Barros "a maior riqueza do homem é a sua incompletude, neste ponto sou abastado"

Sexta feira, dormi pouco, mas às 8:00 estou fazendo thai e chi, guiado por três amorosas senhoras aqui da cidade de Jonhson. Fiz thai chi em cinco diferentes momentos da minha vida e eis que esta pratica me encontrar aqui! O Vermont Studio center incentiva a pratica física espiritual e oferece dois belos espaços aqui para meditação, yoga e thai chi. Minha cabeça viaja longe quando ensaio os primeiros gestos, os mesmo do começo, em Londrina, com Uma mestre inesquecível, depois em Vitoria, também com dois mestres competentes, mas o tempo foi mais implacável, não sei mais nada dos movimentos aprendidos, fico aqui tateando, guiado por essas três generosas senhoras, que não se cansam de repetir os movimentos, para que eu as siga e relaxe. No final perguntam se eu não tenho um gorro ou hat, porque me viram chegar sem, acho que querem me dar um, agradeço, explico que vim sem gorro porque era apenas atravessar a rua, elas não aceitam. Aqui eles saem completamente vestidos aparamentados, luvas gorros, chaves, tudo certo, mas para mim o toque frio e leve da neve ao atravessar a rua é como um beijo de nuvem.

Vou para o hall central comprar minha passagem de Volta para Boston. Alguns residentes aqui me incentivam a aplicar meu trabalho para uma bolsa que envolve pintura e escrita. Todos anos são várias bolsas, sim porque a residência é paga! Acho interessante e peço um help do meu fiel escudeiro Daniel Eliziario em Vitoria para me mandar imagens e pdfs de alguns textos publicados. Ele manda, vem ao pedaços, preencho o formulário do jeito que posso e anexo as imagens. Explica à atendente que não tenho todos os documentos, ela diz que o mais importante são a imagens. Não é confortável começar com a falta mais fico aliviado.

No almoço encontro com Jodi, artista nova-iorquina que tem um desenho maravilhoso, com Ola, artista russa americana inquieta e cheia de energia e com Hoda, boa pintora iraniana. Falamos de como foi boa a caminhada ontem visitando os ateliês. Fico contente em saber que meu trabalhos as tocou, Hoda me falou algo muito interessante, "parece que seu trabalho se mescla com sua vida, você não se trata de ser pintor ou desenhista, mas tudo que você faz, você faz arte, você pensa arte". Uau, ela viu isso? Me acho tão sem graça tantas vezes! inadequado mesmo. Cada vez mais tenho menos a dizer ou sei o que dizer. Antes parecia me que eu tinha certeza, hoje sei que não tenho. As vezes escuto alguém dizer, "eu me conheço muito bem, ou eu sei o que eu quero, eu confio em mim", coisas nessa linha e tudo isso me parece ilusão, retorica.. Lembro que um dia, numa conversa informal, em que algumas pessoas diziam que confiavam em si mesmo, eu disse que não confiava em mim mesmo e que também não sabia o que eu queria. Ficou todo mundo "assim", estranho e eu também. Se fosse para continuar essa conversa eu diria, com Makhmalbaf, cineasta iraniano, que me acho inadequado em quase todos os lugares. Outra hora falaremos mais disso. Mas Hoda se referia principalmente aos desenhos-linhas meditação que faço todos os dias e os o desenhos que chamo aquisição da língua, que é o exercício de aprender inglês escrevendo, e desenhando em folhas de papel.  Hoda acertou, posso não conseguir, mas é este meu processo, isso inclui dar aula, viajar, esse texto aqui, etc. Acho que foi Ad Reinhart que, disse "em qualquer lugar que eu vou, vou como artista". Ola está indo embora amanhã, a residência dela é 15 dias, então nos convidou para uma vodca no lounge e ela tocara piano. Convido -a par ir ao meu studio para fotografá-la e criar um retrato dela como a serie reverso.

 A tarde recebo o segundo artista nova-iorquino, William Lamsam, convidado para o dialogar com os artistas. Ontem foi a visita do primeiro artista, de nome parecido: William Villalongo, mas acabei não tendo tempo de falar dele ontem. bem, o primeiro curtiu o trabalho, mas vibrou mesmo foi com série de desenhos da Amazônia, não se cansava de folhear o livro dizendo you are very gift in drawing, se eu entendi bem. Ele apontou também a questão da tridimensionalidade nas fotografia, um toque que vou incorporar. Já o William Lamsam gostou do desenho linhas meditativos (da série um desenho por dia 200 linhas que fiz durante três anos e três meses, alguém se lembra? pois continuo fazendo, só que ligeiramente diferente), sobre as fotografia, disse que os recortes poderiam, ao invés de ter figuras, ser somente o papel recortado, assumindo assim o seu aspecto tridimensional. Porque não? Outra coisa que o impressionou foi o projeto "um ano desenhado", para ele é uma coisa nova, mais do que desenho, impressionou o "commitment”, ver artistas, professores e alunos envolvidos numa tarefa continuada como essa. Foram dois bons diálogos. Eles se foram e eu fiquei com aquela sensaçao boa de ter comunicado algo e também com aquela velha impressão de que faço várias coisas diferentes. Ē uma angustia que trago à anos, mas começo a ver com certa clareza a ligação em todas essas coisas. As questões de fundo são sempre as mesmas, como a casa, essa forma, que chamo de casa do passado que ē sempre as mesma, a mesma casa há anos, uma imagem que remete à memória de tempos distantes, à infância talvez, aos medos, desejos e fragilidades da infância e também o não ter casa. Habitar esta casa, vê-la de dentro, percorrer quartos corredores, banheiros e salas é o meu pensamento neste momento. Creio que entrando dentro desta casa poderei colocar todas as minhas formas, todo o meu pensamento de arte. Ficamos por aqui os que me seguiram linhas tortas, o meu abraço, agradecimento e boa noite. Voa, voa noite!


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