quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

UM PINTOR DE PORÕES



Aqui estou eu com mais um texto grande demais para face book, mas para quem tiver paciência e interesse, vamos lá. Noite, não adianta ir para cama cedo pois sei que não vou dormir. No lounge, em torno da lareira reúne um grupo de jovens, a maioria escritores, hoje tivemos noite de leitura de textos, extratos do que eles estão escrevendo aqui. Escutei paciente, mesmo sem entender bulhufas, inglês literário e falado depressa. Vou para o atelier. Não encontro vivalma na rua. Mas não estou sozinho, de longe o amor me abraça. No atelier, olho uma tela começada, o interior de uma casa com umas formas estranhas. Será este o interior da "Casa do passado" que tanto tenho falado? Quem olhar de fora dirá que não tem nada a ver. Espera-se uma espécie de continuação, uma ressonância entre o dentro e o fora, inclusive para que eles se pertençam. Mas o interior pode ser tão diverso! Então, olho para a tela em processo, com seu desenho de interior tão diferente do que cheguei a imaginar! Deixo assim ou enveredo para os tons escuros esperados? Eu tinha prometido a mim mesmo coerência formal, e queria entrar na casa escura, que eu creditava escura, mas ela se mostra aqui, clara e, é intimamente ligada a minha série "A parelhos". Começo a sessão com essa questão vou por este caminho, ou por aquele? Lembro me do artista Paulo Whitaker que uma vez me disse que quando um trabalho dele sia bom, le deixava aquela pintura trabalhar para ele. Sabia conclusão, deixa o trabalho desdobrar-se. Amilcar de Castro fez isso a vida toda, como me disse certa vez em entrevista: "meu trabalho é a mesma coisa, sempre, a mesma cosa, o mesmo rigor, a mesma busca, mas cada um é novo!" Eu já sou cheio de dúvidas, e por isso mesmo adoto um outro método, se gosto de um trabalho no meio do processo, deixo naquele ponto e faço outro seguindo o mesmo caminho, ainda em andamento, ultrapasso aquele ponto para ver onde vai chegar. Assim entro na casa do passado.

No almoço tenho um contratempo. Uma artista residente aqui, em um brinde derramou vinho em meu celular, agora ele está irrecuperavelmente bêbado, e a ressaca não passa, não acessa mais internet, depois descubro que meu iPad também não está carregando. Vem me uma sombra de tristeza, como continuar com esses textos? Lembro me do amigo fotografo espanhol amazonense, quando da minha viagem a Amazônia para desenhar e fotografar ele me perguntou que equipamento fotográfico eu levara no navio, eu respondi que apenas minha câmara digital, carregador etc. Ai ele falou que sempre levava junto sua câmara analógica com filmes, explicou, vai que dá algum problema com o equipamento digital naquelas brenhas! Ē isso, as vezes depositamos nossa confiança nas nuvens e ela se vai se evapora o que tínhamos como certo vira incerteza e angustia.

Angustiado vou ao arts suplies comprar material, papel tela, turpenoid, etc. Caio na tentação, acho que compro mais do que deveria. Lembro de uma amiga que veio para os Estados unidos e me disse que quando estava deprimida, angustiada, ia ao shopping e comprava, comprava e saia de lá feliz da vida. Será que comprar suprime esse sentimento de falta?
Volto para o atelier e desenho, pinto, faço anotações nervosamente, trabalho até cansar. Gasto a energia que o sol nos dá toda manhã. Olho as telas inacabadas e pergunto: será que desenhar, pintar, fazer arte suprime esse sentimento de falta?

Uma artista residente aqui no Vermont Studio Center que pinta céus, paisagens me diz que uma "sky painter," sorrio e penso que é um caminho feliz o dela, sem dúvida. Acho bonita a pintura dela, mas Volto para as minhas que, buscam luz e estou propenso a dizer que sou um pintor de porões. O pior é que não sei o que está lá e, não tenho esperança de saber, de entender, contudo guardo uma crença ou esperança, pode se dizer, penso que esta arte é uma forma de resistir à ignorância.

Aos teimosos que vieram comigo até, obrigado pela atenção e desculpem me alguns erros. É isso aí.

DEIXO Duas pinturas, óleo e carvão sobre tela, dimensões, aproximadas, 50x70cm.


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