Aqui estou com
mais um texto longo, mas se você tiver paciência, vamos lá. Cheguei as 9:00 em
ponto a sala de modelo. Ela estava sentada navegando na internet com seu laptop,
talvez não esperasse que viesse ninguém desenhar hoje. Com efeito só veio mais
um artista e ficou somente uns 20 minutos. Chelsi é o seu nome. Cabelo curto,
meio loiro, 28 anos, corpo bonito e com pelos naturais, mas leves nas axilas,
sexo e pernas. Ela é artista também e sonha ser professora, mostrou um dos seus
quadros, uma paisagem com neve, luminosa e impressionista. Mostrei lhes os desenhos
feitos com Steve, ela gostou e disse que as imagens a inspirava posar.
Tirou a roupa, subiu na cama, se
apoiou na parede e assim começamos. Ela fez várias poses em silencio, mudando
de uma para outra a cada dez minutos, conforme combinado. A primeira me pareceu
muito esquematizada, tentei faze-la mas não funcionou, então pedi que ela
simplesmente ficasse de pé e desenhei sobre a imagem que havia começado antes.
Posso dizer que comecei "errando", por isso é que borro sempre, para
recomeçar, não para criar um efeito adrede estabelecido, o efeito vem do processo,
da tentativa, da angustia do "erro”, neste caminho, o desencontro deixou
de ser erro, tornando uma maneira de trabalhar de criar imagens gráficas.
Do segundo desenho para frente
inventei de soprar água com soprador de boca, sobre a folha enquanto trabalho
com a nanquim e a pena, criando um efeito levemente pontilhado, salpicado,
doce. Achei bonito mas doce de mais, muito liso, talvez, uma imagem meio romântica.
Lembrou-me dos meus tempos de universidade quando desenhava a partir de fotografias
de revistas e fazia meus primeiros life drawing, nesta ocasião, desenhava a
figura feminina sempre meio romântica, entre sonhadora, entregue e desejante.
Talvez estivesse ali algo daquela famosa frase de Tennesse Williams, a de que
ele não conseguiria escrever teatro se não houvesse na peça algum personagem
por que ele nutrisse um desejo. Claro que há uma beleza nessa figuração leve
que chamo de romântica, mas isso é superfície, o que me faz desenhar, fazer
arte é a necessidade de ir a águas profundas. Por isso quebro o desenho,
buscando alguma imagem, alguma coisa de lá, lá onde, segundo muitos está o
nosso fundamento. E há tanto excitação nisso que esqueço o cansaço, a famosa
dor nas costas, o tempo.
"Neva" lá fora e aqui
dentro enfrento a nudez de alguém e a minha nudez São tantas as necessidades em
vida!... Mas neste momento, aproximo de uma ideia de beleza, que não nada de
água com açúcar, mas aquela que Dostoievski escreveu: "a beleza salvará o
mundo". "Neva" lá fora e alguém se despe, fala das suas
necessidades, dos seus sonhos, da realidade, da pele; faz o proibido ficar leve
e o tabu, ser um apoio.
Trabalho então em duas vias, uma
via é a excitação do momento! Esse momento é vivo, vivido. Não estou sozinho,
estou com alguém, isso é da ordem do convívio, construímos expectativas,
conversamos, nos revelamos ao pretexto de fazer uma determinada imagem, uma
imagem que é mais da ordem do possível do que do querer. Esta performance para
mim é sempre intensa, é realmente uma performance que pode ser assistida, construída
em diferentes lugares e de diversas maneiras. Tento levar cada desenho até o
final, mas um desenho rápido, croquis, assim construo vários para depois,
escolher, rever... A outra via é refazer esses desenhos, acrescentar formas,
atualizá-los, quebra-los de novo, podendo inclusive perde-los totalmente. Algumas
interferências são conhecidas, a colagem, a cobertura com tinta, mas uma que me
vem neste processo é colocar algumas poses em outros desenhos, uma sobre as
outras e em espaços deixado em branco. Nesse contexto decido fazer um livro de
desenho um com o modelo masculino, outro com o feminino. Vamos ver como sai.
Trago-lhes alguns desses desenhos. Se vieram até só tenho a oferecer, amanhã,
prometo texto curtinho. Um abraço. Boa noite, voa noite!
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